Lidando Com “Discrepâncias” na Bíblia

Como devemos lidar com alegadas discrepâncias na Bíblia? Breve discussão sobre algumas questões a serem consideradas antes de se chegar a conclusões definitivas sobre esses assuntos.

Não categorizado July 14, 2005

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Escrito por Kwabena Donkor

Como devemos lidar com alegadas discrepâncias na Bíblia? Breve discussão sobre algumas questões a serem consideradas antes de se chegar a conclusões definitivas sobre esses assuntos.

O que é uma discrepância na Bíblia? Para nosso propósito, uma discrepância na Escritura seria uma ideia, um pensamento, ou uma declaração que parece discordante com ou contraditória às outras ideais ou declarações em outra parte na Bíblia. Assim sendo a pergunta crítica é esta: Existem discrepâncias na Bíblia? Esta pergunta, em sua essência, se dirige à natureza da Bíblia. A Bíblia, em sua natureza, contém ideias e informações conflitantes e inconsistentes? Como estamos definindo a natureza de alguma coisa, não podemos e não devemos restringir nosso entendimento da natureza da Bíblia a este fenômeno. Em outras palavras, o que a Bíblia é não é completamente definido simplesmente por aquilo que ela parece ser para nós. Uma ilustração poderia ser útil aqui. Uma vara mergulhada parcialmente numa poça de água amiúde parece estar curvada. Isto é um fenômeno. Entretanto, existem razões causais para a vara parecer estar curvada, embora ela não esteja realmente curvada.

É absolutamente evidente que examinar o fenômeno da Bíblia, isto é, considerando como ele nos parece, existem discrepâncias. Quando críticos da Bíblia apontam para seus dados, números, etc., inconsistentes, eles estão tratando formalmente com a Bíblia como um fenômeno. Porém, a questão se torna um pouco mais difícil quanto começamos a prestar atenção em outras razões causais a respeito da natureza da Bíblia. Um exame mais detalhado nos leva a perguntar, por exemplo, como a Bíblia surgiu e para quais fins ela foi escrita.

São estas últimas espécies de perguntas que condicionam nossa resposta quanto a se a Bíblia em sua natureza contém fatos e ideias contraditórios e inconsistentes. Em outras palavras, tal como para a vara aparentemente curvada existem razões causais para mostrarem que a vara não estava realmente curvada, estas questões nos forçam a perguntarmos se pode haver razões causais para as aparentes contradições e inconsistências na Bíblia.

Primeiro, o que sabemos a respeito de como a Bíblia veio à existência? Os textos clássicos de 2 Timóteo 3:16 e 2 Pedro 1:19‐21 mostram de uma maneira fundamental que ações humanas e divinas operaram juntas para produzirem as Escrituras. Este fato não pode ser ignorado. A Escritura não é apenas um produto humano. Deus esteve envolvido na sua produção. Além disso, sem mesmo compreender completamente as dinâmicas e logísticas da interação divina‐humana, 2 Pedro 1:19 deixa claro que a influência divina dotou o produto com solidez, certeza e estabilidade. Esta é a essência do uso da palavra Grega bebaioteron no texto. Os pontos anteriores são fatores causais que não podem ser ignorados em qualquer pesquisa para tentar entender a natureza da Bíblia.

Segundo, o que sabemos a respeito dos fins para os quais a Bíblia foi escrita? Aqui novamente 2 Pedro 1:19 é útil. De qualquer modo que interpretarmos a “lâmpada brilhando num lugar escuro, até que o dia clareie e a estrela da manhã surja em seus corações” o texto é inequívoco sobre o fim para o qual as Escrituras são dadas: Caminhamos num mundo escuro, e Deus através de Sua graça nos deu uma lâmpada, as Escrituras, para repreensão, orientação e correção. A intenção do texto é que o curso de nossas vidas deveria ser dirigido pela palavra de Deus.

Como estes fatores a respeito de como a Bíblia veio à existência nos ajudam a lidar com as alegadas “discrepâncias” existentes nela? Primeiro, sem sucumbir diante da visão da “inerrância” que associa a perfeição da Bíblia com a perfeição atemporal de Deus, não deve o fato do envolvimento de Deus na produção da Bíblia significar alguma coisa quando falamos sobre as discrepâncias dela?

Segundo, deveria dar a impressão que o envolvimento divino em trazer as Escrituras à existência era necessário para dar-lhe certeza, segurança e estabilidade que seriam necessárias para que ela funcionasse como uma luz e guia para o nosso caminhar. Um guia inseguro e incerto na verdade não seria um guia. Nesta conexão é um pouco difícil ver como a Bíblia em sua natureza poderia ser inconsistente e contraditória e ainda funcionar eficazmente como uma luz e guia para o nosso caminhar.

A razão por que estou trazendo estes fatores causais em conexão com o fenômeno da Escritura é para dizer que por sua própria natureza, a Escritura nos encoraja a abordar a Bíblia como um documento harmonioso, consistente, digno de confiança que ainda pode mostrar evidência da imperfeição humana devido à ação humana envolvida em sua origem. A tensão entre contribuições divinas e humanas para a produção da Escritura é uma tensão criativa que não deve ser resolvida desrespeitosamente quer na direção do controle divino total como na inspiração verbal/mecânica quer na direção da ingenuidade humana como na revelação como encontro. Portanto, assumindo a harmonia essencial da Escritura, devemos procurar resolver contradições ou discrepâncias aparentes tanto quanto possível observando, entre outros, os seguintes pontos: (1) Ler os textos em seus contextos prestando atenção no tempo e circunstâncias do escrito; (2) estar consciente que autores bíblicos podem usar legitimamente escritores anteriores e mencionar aspectos que não são prontamente discernidos nas declarações originais; (3) manter em perspectiva metáforas e hipérboles orientais; (4) considerar a prática de dar vários nomes a uma pessoa, e.g. Edom/Esaú e Gideão/Jerubaal; (5) lembrar que autores diferentes podem enfatizar diferentes pontos de vista; (6) considerar o uso de modos diferentes de contar as coisas; e (7) estudar princípios diferentes de arranjo de ideias e informações.

Embora possamos estar desejando reconhecer tensões e discrepâncias na Escritura, não deve ser a função do intérprete pô-las em foco. Estudantes da Bíblia olham para a unidade comovente e beleza da Escritura. Muitos eruditos adotaram abordagens antecedentes para a Escritura e no processo resolveram discrepâncias que até agora pareciam não ter solução. Talvez não nos surpreenda que algumas vezes teremos que pesquisar e cavar solo duro e extenso para ver a harmonia e beleza da verdade bíblica. Algumas discrepâncias podem ser esclarecidas no futuro como algumas foram resolvidas no passado. Alguns textos contendo tensões podem ser harmonizados, outros não podem. Estudemos diligentemente. Jesus, na parábola do tesouro escondido (Mt 13:44) e na parábola da pérola de grande preço (Mt 13:45, 46), parece sugerir que existem coisas de enorme valor que podem não ser aparentes para o observador casual. A alegria espera aqueles que encontram tesouros escondidos. Se não pudermos encontrar uma solução, não nos tornemos obsecados com alguns detalhes perdendo de vista o quadro inteiro. Aprendamos a suspender nosso julgamento, porque somos apenas humanos lidando com a Palavra de Deus que nos foi dada em linguagem humana.